sábado, 16 de abril de 2011

Uma tarde na cracolândia


Desci na estação da Luz às 3h da tarde. O céu estava escuro e pelo jeito a tempestade não ia demorar. Contornei o prédio, caminhei uns três quarteirões e cheguei à casa amarela onde funciona a Missão Cena. Fui recebido por João, o presidente da entidade que atende dependentes químicos na cracolândia.

Conversamos por cerca de meia hora. Ele me mostrou o que chama de “kit noia”, uma bolsinha com vários isqueiros e cachimbos artesanais feitos em madeira, metal e até caroço de azeitona. Falou sobre o trabalho da ONG, que oferece oportunidade pra quem quer deixar o crack. “Menos de 5% conseguem”, disse.

Convidou-me para um passeio pelas redondezas. “Prepare-se para o que vai ver!”, advertiu. Deixei carteira e celular no seu escritório. Seguimos a pé pelas ruas decadentes da região, outrora área nobre de São Paulo. Não demorou para cruzarmos com os primeiros “noiados”. Magérrimos, esfarrapados e olhar perdido, perambulam pelas ruas sem destino e com um único pensamento: fumar mais e mais pedras.

Ao virar a esquina em frente à Sala São Paulo, imponente sede da Orquestra Sinfônica do Estado, o cenário é de horror. Umas 300 ou 400 pessoas alucinadas se amontoam nas calçadas consumindo, traficando e desfrutando dos poucos minutos de “onda” que cada cachimbada oferece. Zumbis saídos de um filme apocalíptico.

Caminhamos entre eles. Muitos vinham em nossa direção: “Pastor, me ajuda a sair dessa!”. Sim, João é pastor evangélico, e me impressionou o respeito que ele conseguiu daquela gente. Conversei com viciados, traficantes, prostitutas e comerciantes. Vi a PM chegar num camburão e dar uma dura em alguns usuários, enquanto a horda corria para outros quarteirões. Do alto, um helicóptero da TV Record filmava tudo. Foram quase duas horas na cracolândia. Uma experiência sensorial, com imagens, sons e cheiros únicos e desagradáveis.

Despedi-me do pastor João com um abraço. Tinha pressa. Meu voo para Brasília sairia dali a duas horas, e a tempestade continuava a se formar sobre nossas cabeças.

2 comentários:

  1. Essa droga é avassaladora...traz consigo dor, lágrimas, morte em vida. O crak foi tema de campanha presidencial e, de fato, o quê foi feito nesses primeiros 100 dias de governo? Quanto tempo vai levar para o Ministério da Saúde apresentar um plano efetivo para redução do consumo do crack no País? cartilhas e material instrucional não tira zumbi nenhum da Cracolândia!

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  2. O crack é a droga real, em estado bruto. É só destruição. Desprovida de qualquer glamour ou mito. Esquece os anos 60 e 70 em que as drogas eram usadas para abrir as portas da percepção, esquece o relax da maconha, esquece a cocaína nas altas rodas yuppies dos anos 80 e 90. O crack não tem a menor graça. É só o terror. E é uma praga que se espalha velozmente pelas grandes cidades.

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