quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O traidor

José Anselmo dos Santos foi um dos líderes do motim de marinheiros que, em março de 1964, ajudou a desencadear o golpe contra João Goulart e mergulhar o país na ditadura. Foi expulso da Marinha e preso; depois fugiu, virou militante de esquerda e participou de treinamentos de guerrilha em Cuba.

Retornou ao Brasil para atuar na luta armada. Em 1971 foi novamente preso e, como os demais “subversivos” da época, submetido a choques elétricos e pau de arara. Quando deixou os porões do Dops estava convertido ao regime. Agente duplo, “cachorro” dos militares, passou a delatar seus antigos companheiros. Nas suas próprias contas, ajudou o infame delegado Fleury a matar uns 200. Entre eles a mulher com quem vivia, Soledad, assassinada em Recife, no quarto mês de gravidez.

Quatro décadas se passaram desde então. Nesta semana, ligo a televisão e lá está Cabo Anselmo, na arena do programa Roda Viva da TV Cultura. Um senhor de barba e cabelos brancos desgrenhados, vestindo suéter de lã e tentando justificar o injustificável. Disse que considera “traição” uma palavra muito pesada para o que fez. “O que fiz foi evitar uma guerra civil. Só me arrependo de ter deixado a Marinha e partido para o lado da insubordinação, num momento em que o país crescia”.

Remorso? Nem pela morte da mulher. “Soledad era uma poetisa, criatura doce e carinhosa. Mas também era filha de dirigentes comunistas; foi ela quem escolheu levar aquele tipo de vida. Eu sabia dividir bem nossa relação marital e a militância. E me arrepender não vai trazê-la de volta”.

Cabo Anselmo é um homem acuado. Mais de 20 anos após o fim da ditadura, vive clandestinamente em algum canto escondido desse país. Não tem RG ou CPF. Anda pelas sombras, segundo ele sustentado por três “amigos”. “Já tive medo de morrer, hoje não tenho mais”.

Não foi fácil assistir à entrevista. Angustiante ver aquele idoso ser metralhado por perguntas sobre um passado do qual não pode escapar. Talvez nem com a morte, onde, quem sabe, encontrará Soledad e os demais companheiros que ajudou a matar.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Eu fui

Meses atrás, quando começaram as vendas de ingressos para o Rock in Rio 2011, escrevi aqui que não iria. As bandas convidadas não eram as minhas favoritas, não estava disposto a encarar a multidão prevista e nem tampouco gastar uma grana pra ir de Brasília até o Rio ver o evento. Fui. No sábado, 24.

Confesso que meio reticente, sem grandes expectativas. E uma vez em terras cariocas, cheguei a duvidar que tomara a decisão certa. No Galeão, os taxistas cobravam R$ 50,00 por pessoa até a zona sul. E só saíam do aeroporto com um mínimo de quatro passageiros. Optei pelo “frescão”, R$ 9,00 até Copacabana.

No hotel liguei o Multishow pra conferir a noite de abertura. Cláudia Leitte cantava algo como “a corda do caranguejo” e convidava o público a se sentir “no carnaval de Salvador”. Putz! No intervalo, várias pessoas entrevistadas reclamavam da falta de segurança no local; os registros de furtos passavam de 70 só no primeiro dia. Onde é que eu tinha amarrado minha canoa?

Na noite seguinte lá estava eu. Eram 19h30 quando cheguei à Cidade do Rock. Tentei comprar uma cerveja, mas as filas do Bob’s e dos outros pontos de venda estavam impraticáveis. Desisti. Rock in fila total.

Fui conferir o show do Milton Nascimento, que se apresentava no palco Sunset ao lado de Esperanza Spalding, segundo ele sua mais nova “parceira para o resto da vida”. Emocionante ver o Bituca cantando Maria Maria acompanhado por uma multidão de vozes e palmas.

Depois do Milton, realmente era hora de molhar a garganta. Quase meia hora de fila, chopp Heineken a R$ 6,50. No palco secundário, Milton fora substituído por Mike Patton, ex-Faith No More, que quebrava tudo com seu Mondo Cane, projeto no qual faz releituras inusitadas – e pesadas – de clássicos da música italiana. Genial!

Algumas filas depois, ouvi acordes conhecidos vindos do palco principal. O velho Capital Inicial mostrava vigor, reverenciando o rock brasiliense e liderando o mar de gente na pergunta que não quer calar: “Que país é esse?”

Já era madrugada quando o Red Hot Chili Peppers subiu. 100 mil pessoas acompanharam, eletrizadas, Otherside, Californication, By the way e outros sucessos. O show caminhava para o final quando puxei minha mulher pra irmos embora. Não agüentava mais ficar em pé e nem pegar fila. Queria entrar logo no ônibus e voltar pra Copa.

Eu fui, foi legal. Chego em Brasília e leio que já anunciaram o Rock in Rio 2013. Dessa vez, acho que não vou.