quinta-feira, 24 de março de 2011

Troca de óleo

Parei num posto pra trocar o óleo do carro. Falei que queria colocar sintético e também substituir os filtros de óleo e de ar. O cara suspendeu o carro no elevador, pegou uma chave e começou um malabarismo pra alcançar o parafuso. “Não tem que tirar primeiro a chapa de proteção do cárter?”, perguntei. “Não”, respondeu sem mais conversa. “Das outras vezes o rapaz tirou”, repliquei.

Sentei num banco em frente pra acompanhar a operação. Tava difícil encaixar a chave, não tinha ângulo. Mas ele não deu o braço a torcer. Quer dizer, se retorceu todo mas não quis tirar a chapa. Após algumas tentativas frustradas foi buscar uma ferramenta maior. Voltou, suou mais um pouco, até que finalmente, num último golpe, o líquido começou a escorrer. Preto e vermelho; óleo e sangue. Na luta pra desenroscar o parafuso ele acertou em cheio a borda da chapa de aço. Abriu uma ferida abissal no dedo.

Disse um palavrão inaudível e saiu de cena novamente. Fiquei lá pensando na praga que é a preguiça humana. Se tivesse feito o processo direito não teria se machucado. Pensei em deixar pra lá e procurar outro posto. Mas agora meu carro estava sem óleo nenhum no motor. Esperei.

Depois de uns dez minutos o cara volta. Com um curativo na mão e um humor ainda pior do que antes.

quinta-feira, 17 de março de 2011

É o bicho


Tarde de sábado no Rio. Encontro um amigo em Laranjeiras e ele me convida pra botar o papo em dia num boteco perto de sua casa. Pedimos dois chopps e ficamos conversando na calçada, copos apoiados em barris de metal. Logo notamos um movimento constante em torno de dois senhores numa mesa ao lado. Eram bicheiros. Ou melhor, apontadores do jogo.

Tradicional e presente em quase todo o Brasil, o bicho é ilegal desde a década de 40. Nem parece. A turma fazia sua fezinha tranqüila, enquanto discutia a rodada futebolística do fim de semana.

Observando aquele movimento, lembramos que há tempos o jogo do bicho saiu das páginas da imprensa. Na década de 80 só se falava em Castor de Andrade, Anísio Abraão e outros barões que transitavam entre o submundo e a high society carioca. Hoje são os seus herdeiros que dão continuidade aos negócios. Mas é como se não existissem.

Vez ou outra, meu amigo, fumante inveterado, dava um passo para dentro do bar pra pegar mais um chopp no balcão. Numa dessas vem o dono, reclamando com aspereza: “Ô rapaz, é proibido fumar aqui dentro. Daqui a pouco vem a fiscalização e me ferra!”. Meu amigo responde na lata: “Quer dizer que jogo do bicho pode, mas entrar e sair um segundo com o cigarro na mão é proibido!?”

Silêncio total. O cara do bar ficou atônito, entre furioso e apavorado. Os dois bicheiros – apontadores - se entreolharam. Fizeram menção de se levantar pra falar alguma coisa com a gente. Decidimos pedir a conta e nos retirar. Lei é lei...

sexta-feira, 11 de março de 2011

Grunges



Anos 90. O grunge zarpa de Seatle, noroeste dos EUA, para o topo das paradas mundiais. Nirvana, Alice in Chains e Pearl Jam simbolizam essa explosão cultural. A cidade, décadas antes, trouxera à luz Jimi Hendrix, para muitos o maior entre todos os guitarristas.

Hoje, assim como Hendrix, boa parte dos ícones do movimento só pode ser ouvida no passado. Poucos se mantêm na ativa.

O Pearl Jam sim. Mais de 60 milhões de discos vendidos ao longo da carreira. E neste mês de março, em comemoração aos seus 20 anos, a banda lança edições de luxo dos álbuns “Vs.” e “Vitalogy”, originalmente de 1993 e 1994.

Certa vez o vocalista e guitarrista Eddie Vedder disse que o nome Pearl Jam seria uma homenagem à geleia alucinógena feita por sua avó, na Seatle de sua infância. Mito? Provavelmente.

Sempre bom ouvi-los. Como neste show na Argentina. “Last Kiss” é triste, mas é ótima.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Bloco na rua


Tarde de sexta-feira, uma semana para o carnaval. A redação praticamente vazia. Só um ou outro repórter fechando matéria. Chega um senhor baixinho, de pele curtida e cabelos grisalhos. Veste jeans, camiseta branca e óculos fundo de garrafa, e traz CD e release sobre o desfile do Pacotão. Está divulgando a marchinha e o itinerário do bloco mais irreverente e tradicional de Brasília.

Nosso visitante é Cicinho Filisteu, um dos fundadores e compositor de diversos “hits” da agremiação. Isso foi no ano passado, quando o tema era a crise política que derrubou o governador do DF. Vários deputados apareciam em vídeos recebendo propina, e o título da música - “O bolsetão da dona Eurides” - fazia alusão à deputada que escondera pacotes de dinheiro na bolsa. Argumentei que aquele não era exatamente o perfil de nossa programação. “Mas não tem nada de palavrão. Pode ir no dicionário”, insistiu num sorriso maroto.

Sugeri que fôssemos ao estúdio. Eu preparava um programa cultural para o cinqüentenário da cidade, e certamente ali estava uma ótima entrevista. Sempre irreverente Cicinho lembrou do nascimento do Pacotão, em plena ditadura militar. “Surgiu da reunião de jornalistas, professores e funcionários públicos. A turma da boemia, da noite, da madrugada”, explicou. “Somos um bloco essencialmente político. Nos reuníamos nos bares do Plano Piloto; os milicos colocavam informantes nas mesas pra nos observar. Mas jamais deixamos de meter o cacete neles”.

Durante a entrevista, Filisteu batucou vários “hinos” que marcaram a trajetória do bloco. Como o de 1979, que fustigava o último general-presidente e saudava a revolução islâmica: “Geisel, você nos atolou...o Figueiredo também vai atolar. Aiatolá, venha nos salvar, esse governo já ficou gagá...”. E outro, mais recente, desvendado um “mistério” do companheiro Lula: “Encontraram o dedo de Lula, que ele perdeu quando era trabalhador. Sabe aonde meu bem? No f... do servidor!”

Conversamos por quase uma hora. No final, Cicinho me convidou pra ir ao desfile, e ao se despedir voltou ao objetivo inicial da visita: “Mas será que não tem mesmo jeito de colocar a marchinha no ar?”

No outro domingo fui ao Pacotão com minha mulher e uns amigos. Ele estava lá, se esbaldando e cantando sua marchinha ao lado da orquestra.