sexta-feira, 4 de março de 2011

Bloco na rua


Tarde de sexta-feira, uma semana para o carnaval. A redação praticamente vazia. Só um ou outro repórter fechando matéria. Chega um senhor baixinho, de pele curtida e cabelos grisalhos. Veste jeans, camiseta branca e óculos fundo de garrafa, e traz CD e release sobre o desfile do Pacotão. Está divulgando a marchinha e o itinerário do bloco mais irreverente e tradicional de Brasília.

Nosso visitante é Cicinho Filisteu, um dos fundadores e compositor de diversos “hits” da agremiação. Isso foi no ano passado, quando o tema era a crise política que derrubou o governador do DF. Vários deputados apareciam em vídeos recebendo propina, e o título da música - “O bolsetão da dona Eurides” - fazia alusão à deputada que escondera pacotes de dinheiro na bolsa. Argumentei que aquele não era exatamente o perfil de nossa programação. “Mas não tem nada de palavrão. Pode ir no dicionário”, insistiu num sorriso maroto.

Sugeri que fôssemos ao estúdio. Eu preparava um programa cultural para o cinqüentenário da cidade, e certamente ali estava uma ótima entrevista. Sempre irreverente Cicinho lembrou do nascimento do Pacotão, em plena ditadura militar. “Surgiu da reunião de jornalistas, professores e funcionários públicos. A turma da boemia, da noite, da madrugada”, explicou. “Somos um bloco essencialmente político. Nos reuníamos nos bares do Plano Piloto; os milicos colocavam informantes nas mesas pra nos observar. Mas jamais deixamos de meter o cacete neles”.

Durante a entrevista, Filisteu batucou vários “hinos” que marcaram a trajetória do bloco. Como o de 1979, que fustigava o último general-presidente e saudava a revolução islâmica: “Geisel, você nos atolou...o Figueiredo também vai atolar. Aiatolá, venha nos salvar, esse governo já ficou gagá...”. E outro, mais recente, desvendado um “mistério” do companheiro Lula: “Encontraram o dedo de Lula, que ele perdeu quando era trabalhador. Sabe aonde meu bem? No f... do servidor!”

Conversamos por quase uma hora. No final, Cicinho me convidou pra ir ao desfile, e ao se despedir voltou ao objetivo inicial da visita: “Mas será que não tem mesmo jeito de colocar a marchinha no ar?”

No outro domingo fui ao Pacotão com minha mulher e uns amigos. Ele estava lá, se esbaldando e cantando sua marchinha ao lado da orquestra.

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