domingo, 26 de junho de 2011

Mantiqueira

Foto: Mara Melo

Minha filha só queria saber onde estavam Pedrinho, Narizinho, Emília e Cia. Meu filho não largava o jogo do i-touch. Minha mulher tinha comprado uma câmera nova e testava suas funções fotografando tudo ao redor. E eu conferia o celular a toda hora pra ver se dava sinal. Esperava um feed-back sobre um trabalho que concluíra pela manhã, ainda em Brasília.

Estávamos a caminho de Campos do Jordão. Almoçamos em um restaurante rural na beira da estrada e paramos na bucólica Monteiro Lobato pra visitar o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Percorremos cada um dos 19 cômodos do velho e silencioso casarão. Rosa, a guia, tentava atrair nossa atenção. “Aqui era o quarto de Lobato”; “Aqui a varanda onde ele brincava com os filhos”; “Esta é a biblioteca onde ele escrevia seus contos”. Nossa cabeça ainda estava no cerrado, não na serra da Mantiqueira.

Cumprimentamos a atual proprietária, Dona Maria Luísa. Ouvimos, meio desatentos, mais e mais histórias de Rosa. Até que saímos para um passeio externo. Foi em meio aos bichos – coelhos, patos, galinhas, pavões, porcos e cavalos – e às plantas que começamos a nos desplugar. Vida e natureza à nossa volta.

Meu filho guardou seu equipamento. Minha filha se resignou: os personagens não estavam em casa. Minha mulher deixou o verde entrar solto pela lente. Eu me desliguei de vez do celular e do trabalho.

Caminhamos até o “reino das águas claras”. Criei coragem e entrei na água gelada do pequeno e cristalino ribeirão. Agora sim, as férias haviam começado.

Na trilha de volta, cruzamos com duas outras visitantes do sítio, que nos pararam pra perguntar: "Vocês viram o saci por aí?". A resposta foi positiva.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Borracha linha dura



Leio no jornal que a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a mudança de denominação do viaduto General Milton Tavares de Souza, na Marginal Tietê. Mais uma medida para riscar do mapa placas e homenagens a expoentes da ditadura brasileira. Torturador contumaz, Tavares de Souza era chefe do Centro de Informações do Exército, e segundo o jornalista Élio Gaspari, foi o idealizador da política de “eliminação física dos oponentes armados do regime”.

Sábia decisão. Com esse currículo o general certamente não merece sombrear os milhares de veículos que transitam diariamente por uma das principais vias da terra da garoa. Aliás, batizar bens públicos com nomes de generais linhas duras foi, durante anos, hábito corriqueiro de líderes e crias da ditadura.

Aqui em Brasília o estádio de futebol construído nos anos 70 recebeu a alcunha de Presidente Médici; uma ponte sobre o Lago Paranoá foi nomeada Costa e Silva; e até o maior parque da capital nasceu como Rogério Pithon Farias, filho do então governador biônico Elmo Serejo Farias, morto num acidente automobilístico. Felizmente, hoje o estádio se chama Mané Garrincha; a ponte virou Ponte das Garças; e o parque é carinhosamente chamado de Parque da Cidade (apesar de oficialmente ser agora Sarah Kubitschek).

Claro que essas auto-homenagens militares não foram exclusividade brasiliense ou paulista. Nomes de generais sempre batizaram pontes, viadutos, avenidas, estradas e estádios país afora. E também no exterior. Na República Dominicana, por exemplo, os cidadãos tiveram de esperar a morte do ditador para trazer de volta à sua capital (a primeira do Novo Mundo) o nome de Santo Domingo, enterrando de vez o horroroso Ciudad Trujillo.

Em tempo: voz dissonante na Câmara paulista, o dublê de vereador Agnaldo Timóteo se rebelou contra a retirada da placa no viaduto da Tietê. “É uma tremenda frescura, uma falta de respeito ao general e ao regime militar”, bradou ao microfone o cantor de “Mamãe, mamãe, mamãe...”.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Terra de ninguém



“Ocupar para não entregar”. Era essa a palavra de ordem da ditadura quando, nos anos 1970, incentivou brasileiros de todos os cantos a deixar sua terra e tentar fortuna na Amazônia. Foi nessa época que, ainda menino, Dinho saiu do Paraná com seus pais para viver em Rondônia. Eles se fixaram na região conhecida como Ponta do Abunã, uma faixa na divisa com o Acre e o Amazonas, a menos de 10 km da fronteira com a Bolívia.

Os anos passaram. A floresta deu lugar a pastagens; pouquíssimos enriqueceram. Dinho virou chefe de família e líder de assentamento. Depois de quase 40 anos, o lugar ainda não tem luz elétrica, água encanada ou telefone. Posto médico, delegacia, banco, cartório...nem pensar. Terra de ninguém. Pra garantir o sustento, Dinho montou uma banca na feira de Vista Alegre, um distrito a 70 km de sua casa.

Na última sexta-feira de maio, ele descarregava os legumes e verduras do carro quando foi assassinado. Cinco tiros a queima roupa, na frente da mulher e dos dois filhos pequenos. O pistoleiro saiu caminhando. Dinho denunciava a atuação de madeireiros ilegais na região.

Nesta semana estive no assentamento. Uma comitiva de jornalistas e parlamentares em busca de informações sobre os conflitos na área. Quase três horas de Brasília a Porto Velho em avião da FAB e outros 50 minutos num bimotor até a Ponta do Abunã. A equação é clara: de um lado, os poderosos que enchem os bolsos explorando a natureza e a miséria alheia; do outro, os que atenderam ao chamado do governo e ocuparam um pedacinho de terra nos confins do “pulmão do mundo”.

Retornamos a Brasília no mesmo dia. A sensação era de estar vindo de outro país. Cheguei em casa, abracei meus filhos e minha mulher, e me lembrei que Dinho nunca mais vai voltar pra casa e abraçar sua família.

sábado, 4 de junho de 2011

Hard teatro rockn'roll

Nesta semana quem tocou seu terror aqui no Brasil foi Alice Cooper. Aos 63 anos ele é uma das lendas do rock mundial; e mais do que isso, um sobrevivente. Em entrevista à imprensa brasileira, admitiu que ainda está entre nós porque, ao contrário de amigos como Jim Morrison e Keith Moon, soube a hora de parar de beber e se drogar. “Eu não queria morrer aos 27 anos, queria fazer discos, por isso mudei minha vida. Agora sou cristão e estou casado há 34 anos”, declarou.

Mas se, digamos, os hábitos de consumo mudaram, sua maneira de pensar e fazer rock continua a mesma desde os anos 1970. Maquiagem pesada, fantasias, cadeiras elétricas, guilhotinas, monstros e serpentes compõem o teatro prefeito para que ele interprete clássicos como I’m eighteen, Love It to Death, Billion Dollar Babies e School’s Out. Mise-en-scène de horror e boa música.

Sobre sua inclusão no Rock and Roll Hall of Fame and Museum, em março deste ano, ele fez questão de agradecer a antigos mestres: “Foi como se formar no colégio. Todos os seus professores, McCartney, Jagger, Jeff Beck, esses caras especiais, estão lá. E eles votam em você por achá-lo especial. É uma honra”.

No vídeo abaixo, No More Mr. Nice Guy, que dá nome à turnê atual.