sexta-feira, 20 de maio de 2011

Jiló

Voltava de uma viagem longa e o avião parou pra uma escala em Belo Horizonte. Reclinei a poltrona e tentei cochilar enquanto esperava o embarque dos novos passageiros. Senti alguém cutucar o meu ombro: “Moço, eu sou naquela cadeira ali”. Era um sujeito rechonchudo e simpático, camisa xadrez e bigodinho preto. Levantei-me e ele se acomodou na janela.

Retornei ao meu exercício meditativo. Mas por pouco tempo. “Ô Zé, aqui dentro faz calor, hein!?”. Era o cara do lado falando com o amigo que ia na sua frente. Quem respondeu, também com sotaque carregado, foi o terceiro da turma: “Jiló, gira esse negocinho redondo aí de cima que refresca”. Jiló obedeceu. “Olha aí, Zé, o Tuninho tá chique, sabe até onde tem arzim no avião”. Alguns passageiros próximos acharam graça. Eu não. Queria dormir e cogitei mudar de lugar. Mas estavam todos lotados e me resignei.

Fecho os olhos novamente. Após a decolagem a comissária anuncia pelo rádio as informações do trajeto: “Nosso tempo de voo será de 50 minutos, com velocidade média de 800 km/h”. Meu colega de fila se assusta. “Nosssinhora, Zé, oitocentos paus! Ô loco!!”.

Vem o serviço de bordo. Enquanto degusta seu amendoim com Pepsi, Jiló aprecia o visual: “Ô Tuninho, olha a altura disso, rapaz! É alto pra carái mesmo!!”. Os risos em volta lhe dão corda: “Zé, vai acostumando com a vista daqui de cima, é aqui que cê vai morar quando morrer”. Até eu, apesar do sono, começava a me divertir com aquilo.

O voo segue, e entre uma tirada e outra descubro que de fato é a primeira viagem aérea de Jiló. Ele e seus amigos saíram do interior mineiro para pescar no Pará. De Brasília vão a Belém e de lá pra uma fazenda num monomotor.

Já próximos à chegada, sobrevoando o Paranoá, Jiló se espanta: “Olha o tamanho dessa lagoa, Tuninho! A gente devia era pescar por aqui mesmo!”. A essa altura ele era celebridade no avião. Eu, claro, não conseguira pregar o olho e folheava a revista de bordo.

Ajudo Jiló a colocar o cinto de segurança, e na aterrissagem é ele quem “tange” o avião com vozeirão de boiadeiro: “Ê, êê, êêê bichão.....bão demais!!!”.

Enquanto as portas são abertas, aquela correria pra pegar as bagagens de mão, ele analisa a aventura: “Ô Zé, essa foi mole. Quero ver é quando a gente tiver no aviãozinho no meio da mata; as onças tudo olhando pra cima e lambendo os beiços”.

Começa o desembarque e a fila anda. Despeço-me com um protocolar até logo, mas antes de ganhar o corredor ainda ouço Jiló sentenciar: “Tuninho, já reparou que só nós conversamos nesse avião? Ô povo educado, sô!”.

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