terça-feira, 7 de abril de 2015


Ontem à noite caiu uma chuva daquelas e – novamente! - faltou luz em casa. Meus filhos ficaram contrariados. Um jogava videogame no quarto; a outra assistia a um desenho na TV, interrompido “na melhor parte”. Espalhei umas três velas pela casa e fui para o quintal. 

A chuva passara. Fazia uma bonita lua cheia. Eles foram se chegando, cada um puxou uma cadeira e ficamos por ali, de bate-papo. Contamos histórias, lembramos canções sobre a lua, procuramos estrelas cadentes, rimos muito. 

Após mais de uma hora as lâmpadas de repente se acenderam e ofuscaram nossa noite. Olhamos uns para os outros e cada um correu pra um canto da casa para apagar as luzes. De volta ao prateado, retomamos nossa rodinha e por lá ficamos até a hora de ir dormir.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Amuleto canarinho



Durante a Copa do Mundo, Marina foi me visitar no Rio. Chegou lá no dia seguinte à vitória da seleção sobre a Colômbia. Ainda no aeroporto estendeu o braço e me disse orgulhosa: “Papai, sabia que o Brasil só ganhou ontem por causa dessa minha pulseirinha?”. Voltou pra Brasília na véspera da semifinal. Após os 7 x 1 contra a Holanda, ao chegar no hotel, fui mexer na papelada sobre a mesa e lá estava a bijuteria verde-amarela. Mais à noite liguei para casa e contei o que havia encontrado. E ela, convicta: “Não falei que o Brasil só tinha ganhado aquela vez por causa da minha pulseira?”.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O homem do colchão

Já faz alguns dias que, ao sair do trabalho, por volta das 21h, deparo com ele no caminho pro estacionamento. Homem gordo, de meia idade, sentado num colchão ao relento e com uma garrafa pet nas mãos. Umas duas vezes dei a ele algum trocado. Ontem recusei. Passei direto de cara fechada. 

Ele ficou de pé. Olhei pra trás e ele abriu os braços. Pôs um sorriso na cara e tascou: "Sem problema, amigo. Vai uma carninha aí?" Foi aí vi a pequena churrasqueira, com dois tijolos e uma grade em cima, onde ardiam uma coxa de galinha e um retalho de carne. Declinei o convite, e entrei no carro desarmado.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Terra do queijo




Aí um amigo francês veio me visitar. Paramos numa lanchonete dessas que ficam oferecendo itens extras no sanduíche: 
- Mais molho? Mais salada? Mais queijo? Só R$ 1 a mais!
E ele, pra fazer graça:
- Queijo sim...já que sou da terra dos queijos. 
- Uai, o senhor é de Minas? Eu também!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Igualdade, fraternidade. Liberdade?


No caminho de Varadero para Havana, pergunto ao taxista/engenheiro Oscar o que ele achava sobre o governo cubano ter abolido a necessidade de autorização prévia para os cidadãos viajarem ao exterior. A resposta veio num desalento: “O que importa? Ninguém tem dinheiro pra isso mesmo....”.
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Chegamos à capital no início da noite. O carro ziguezagueava por ruas mal-iluminadas e barulhentas em direção à casa Vitrales, nosso endereço pelos próximos dias. O proprietário, Osmany, aluga quartos para turistas. Subimos por uma escadinha íngreme e apertada. Contraste total com o Meliá, onde passáramos o fim de semana.
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Calle La Habana, 106. A casa é confortável, reformada. Quartos amplos, banheiros e roupa de cama limpos, café da manhã feito com carinho por Selene e Pife. O casal é o braço-direito do dono da casa. Simpatia e atenção total. Não fosse pelo barulho da vizinhança, que às 6h já está a todo vapor, o sono seria perfeito.
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Osmany nos mostra o segundo andar, onde novos quartos estão sendo construídos. Fala sobre as dificuldades de achar material e mão-de-obra na ilha. Explica que a maioria da população recebe salário do governo. O valor é baixíssimo, suficiente apenas para a cesta básica e itens de primeira necessidade. Muitos se contentam com isso. Outros, como ele, vão à luta para aumentar o orçamento.
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"Esta noite milhões de crianças dormirão na rua, mas nenhuma delas é cubana". A frase, atribuída a Fidel, representa bem o que vemos – ou não vemos - em Havana. Lá, lugar de criança é mesmo na escola. Os pais que não garantirem isso aos filhos são responsabilizados criminalmente. Não há meninos nos semáforos, ou engraxando sapatos, ou vendendo balas, ou cheirando cola. Os filhos dos ricos e dos pobres nascem nos mesmos hospitais. E estudam nas mesmas escolas.
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Caminha-se tranquilamente pelas ruas de Havana, inclusive de madrugada. Sem medo de assaltos ou sequestros-relâmpagos. Mas a cada passo somos abordados por gente oferecendo charutos (todo mundo tem um “primo” ou “amigo” que trabalha na fábrica), runs, passeios, artesanatos e até jantares em restaurantes clandestinos. Diante da negativa, pedem cigarro ou algum outro regalo e se vão.
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Cuba permanece um destino atrativo para os militantes da esquerda brasileira. Tivemos, nos voos de ida e de volta, a companhia do governador do DF, Agnelo Queiroz (PT, ex-PC do B). Ele na classe executiva. Uma noite, no Museu do Rum, o ator José de Abreu (PT) dançava embalado por artistas locais. No Hotel Nacional, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PC do B), tomava um café e mexia em seu i-Pad no bar da piscina.
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Antes de ir para Cuba, li em algum blog a dica para levar papel higiênico na bagagem. Precioso conselho. Esse é um item raro por lá. Nos bares, nem pensar. Nos melhores restaurantes até que tem, mas regrado e de uso estritamente controlado por senhorinhas sentadas à porta dos banheiros, pires de moedas à mão.
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Quinze a vinte minutos de voo separam Miami de Havana. Até a década de 1950, Cuba era parque de diversões para milionários, mafiosos, políticos e traficantes dos EUA. O ditador Fulgêncio Batista vendia terras para os gringos e embolsava o dinheiro. Em janeiro de 1959, Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e outros revolucionários tomam o poder pelas armas. A ordem é distribuir a riqueza e assegurar saúde, educação, comida e moradia para todos. O preço a pagar é a restrição às liberdades individuais. Não há mais voo direto entre a Flórida e a capital cubana.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

E o mundo (de novo) não acabou

               Foto: Ries/Honduras

A maioria nem se deu conta, mas na semana passada escapamos de uma boa. De uma boa não; de uma péssima. Dia 30 de junho era pra ter sido o fim do mundo. Pelo menos na profecia de José Luis de Jesus Miranda, um porto-riquenho maluco que se autoproclama “Jesus Cristo Homem”, e a quem seus seguidores na seita Crescendo em Graça chamam de “Papai”.

Numa interpretação tão pessoal quanto mal intencionada do calendário Maia, que supostamente previa o final dos tempos para 2012, Miranda convenceu milhares de pessoas, em mais de vinte países, de que o juízo final coincidiria com o fechamento do primeiro semestre. No dia fatídico, um sábado, os adeptos da seita – a maioria tatuada com o número 666 - se reuniram nos templos para aguardar “La gran transformación”. Veio o meio-dia, o pôr do sol, a meia noite e finalmente o domingo. E, como podemos todos testemunhar, nada do armagedon.

Alguns se desesperaram: "e agora?". José Luis de Jesus Miranda é um homem rico, milionário. Vive numa mansão em Miami, cercado de luxo e de tudo o mais que o dinheiro de seus fieis lhe permite comprar. Ex-pastor pentecostal, hoje renega qualquer outra instituição denominada cristã. Diz que elas adoram o Jesus antigo, morto. E que o Cristo vivo é só ele próprio, ninguém mais.

Aqui no Brasil, a Crescendo em Graça já se instalou em pelo menos onze estados. Concorrência de peso para Edir Macedo, Valdemiro Santiago e afins. Como diria nosso brasileiríssimo Inri Cristo: “Oh, Pai!”.

terça-feira, 17 de abril de 2012

O início, o fim e o meio

Foto: divulgação


Era 1973. Raul Seixas estava estourado nas paradas com seu Ouro de Tolo. Eu tinha só 4 anos de idade, mas já adorava aquela história de “macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco....”. Até hoje guardo o compacto da Phillips que ganhei dos meus pais na época. Dezesseis anos depois, tive a oportunidade de ver Raul ao vivo no palco em Brasília. Quer dizer, vivo mais ou menos, já que ele parecia um zumbi ao lado de seu neo-parceiro Marcelo Nova.

A verdade é que sempre fui da turma do “Toca Raul!”. E foi na condição de fã que assisti, nesta semana, a “O início, o fim e o meio”, belo documentário de Walter Carvalho. Como diz o título, o filme faz um apanhado da vida do Maluco Beleza, desde a infância em Salvador, passando pelo Raulzito e os Panteras, o sucesso no Rio de Janeiro, os casamentos e divórcios, até a degradação do alcoolismo e a morte. Um filme emocionante, dramático, mas também muito engraçado.

Numa das cenas, Paulo Coelho fala sobre a relação com o parceiro quando uma mosca impertinente passa a sobrevoá-lo. “É Raul”, decreta o mago, “Não há moscas em Genebra”. Em outro trecho, o irmão Pedro – aquele mesmo de Meu Amigo Pedro – lembra que Raul era inquieto desde criança: “Ele me acordava à noite para dizer que estava com medo de morrer. E eu mandava ele tocar uma bronha pra relaxar!”.

A obra de Raul tem lugar de destaque na cultura brasileira. Ao misturar Luiz Gonzaga e Elvis Presley – “É tudo a mesma coisa”, ria – semeou as feições do rock nacional. Em plena ditadura militar, lá estava ele gritando “Faz o que tu queres, pois é tudo da lei!”.

As mulheres são um capítulo à parte no documentário. Foram quatro ou cinco “ex” entrevistadas, e todas concordaram que Raul era um marido e pai carinhoso. Só que louco, muito louco. “Teve uma época em que ele começou a cheirar éter o tempo todo, era terrível”, desabafa Kika Seixas.

Emocionante ver, na tela, passeata recente em homenagem ao artista na frente do Teatro Municipal de São Paulo. Enquanto a multidão entoava suas músicas, um dos jovens participantes, olhos marejados, gaguejava para a câmera: “Raul está entre nós, ele está em todo lugar!”. É, a sociedade alternativa está viva.

Raul Seixas viveu como quis. Teve as mulheres que amou, cantou as letras em que acreditou, esvaziou todas as garrafas que lhe cruzaram o caminho. Morreu só, no pequeno apartamento 1003 do edifício Aliança, centro de São Paulo. Já se vão quase 23 anos, mas como disse o rapaz da passeata, ele continua a zumbizar por aqui. Um exemplo a ser e a não ser seguido pelas novas gerações.